08/04/2012

Antonia Leite Barbosa
Uma carioca de utilidade pública



Um dia, Antonia Leite Barbosa estava na fila do caixa no supermercado quando viu que a cliente à sua frente punha quilos de farinha de trigo na esteira, seguidos de incontáveis pacotes de manteiga. Não resistiu, e perguntou o que a moça pretendia fazer com aquilo tudo. A resposta? Bolos, naturalmente. Nascia assim mais uma indicação da “Agenda carioca”, referência de todo mundo que sabe das coisas -- e quer saber ainda mais.

Tudo começou quando amigos de fora vieram ao Rio e pediram dicas sobre a cidade. Antonia anotou o que lhe parecia essencial; mas, incapaz de fazer as coisas pelo meio, quando deu por si tinha um livro praticamente pronto. Orgulhosa do resultado, decidiu ampliar o conteúdo. O passo seguinte foi procurar uma editora. O resto é história, mais exatamente a história do Rio, contada através das suas lojas e dos seus prestadores de serviços, das grandes obras às miudezas impossíveis.

“A ‘Agenda carioca’ é o meu GPS cool do que há de melhor e mais delicioso no Rio” – diz Bruno Astuto na contracapa. –“Foi-se o tempo em que ligávamos para os amigos para descobrir os endereços ou quem é quem na cidade. Antonia juntou tudo numa espécie de bíblia com jeito de caldeira fervente. ”

Mais velha de três irmãos, carinha de menina apesar dos 34 anos, Antonia aparece para a entrevista com a mais carioca das roupas: short, camisetinha chique e uma sandália de corda para lá de estilosa. Difícil acreditar que já é mãe, mas Felipe, do alto dos seus cinco rechonchudos meses, está aí para provar que milagres existem.

Ela tinha tudo para ser jornalista mas, por um desses desvios de juventude tão comuns, formou-se em desenho industrial. A verdadeira vocação, porém, não demorou a se manifestar e, no ano 2000, ainda na faculdade, fundou, com as amigas Mariana Salim e Joana Almeida Braga, a revista Geração. A vida da revista foi curta – apenas dois anos – mas o elenco de colaboradores era o que havia de melhor: Bruno Mazzeo, Cynthia Howlett, Pedro Garrido...

-- Todo mundo escrevia por amor, -- lembra Antonia. – Um dia fomos ao Jornal do Brasil propor que a encartassem no jornal como um produto jovem. O Boechat, então editor chefe, adorou a idéia. A experiência valeu, mas não trouxe o retorno comercial que esperavamos para manter a revista.

“Geração” virou coluna, assinada por Antonia e Joana. Em 2003, Joana casou, foi para Miami e Antonia ficou sozinha no leme. A coluna passou a se chamar “Antonia”, durou mais sete anos e pos a autora na trilha dos bons achados, das festas bacanas que ninguém conhecia, dos segredos escondidos pela cidade. Ao longo desse tempo, surgiram outras oportunidades de trabalho. Sempre que alguém pensava em “carioca, jovem, descolada” ligava para Antonia. Ela foi “descoberta” por Luciano Huck e acabou na Rádio Paradiso, dando dicas para os ouvintes duas vezes por dia; depois foi para a Oi FM, onde ficou até o fim da emissora.

-- O resultado disso tudo é que acabei acumulando um bom conhecimento da cidade. E quando aqueles meus amigos de fora me pediram uma lista de dicas do Rio, percebi que tinha material para um livro. Mas eu queria fazer um guia pessoal para quem mora aqui, sem a obrigatoriedade de listar todos os museus e pontos turísticos. O Addresses já existia, mas seguia uma linha bastante diferente: ele é uma espécie de páginas amarelas chique. A minha primeira “Agenda carioca”, por exemplo, não trazia nem o Redentor nem o Pão de Açúcar. A idéia era fugir de tudo o que fosse clichê.

Publicada desde 2006 pela Editora Senac, a “Agenda carioca” tem cara de livro, mas é comercializada como revista, com alguns anúncios entre as páginas. Essa foi a fórmula encontrada por Antonia e pelos editores para viabilizar o projeto.

-- A primeira pessoa para quem levei a idéia foi o Marcelo Bastos, da Farm, que já queria que eu saísse de lá com um cheque na mão, -- lembra Antonia. – Eu estava num mês horrível, não tinha dinheiro nem para o aluguel, e fiquei muito emocionada, “Meu Deus, alguém acreditou em mim!” Outro apoio determinante foi o do Sergio Pessoa, do Rio Sul.

As primeiras edições da “Agenda carioca” tinham um detalhe muito charmoso: vinham com uma mini havaiana pendurada na lombada em espiral. Mais uma vez, puro acaso. Antonia estava com um bowl cheio de chaveirinhos de havaianas em casa, sobras de uma decoração natalina, e assim como quem não quer nada, pendurou um deles no exemplar de prova. Ficou tão engraçadinho que, no dia seguinte, ela saiu a campo para convencer os fabricantes a se associarem ao projeto. A tradição da chinelinha pendurada só foi rompida na última edição, de 2010, quando a agenda passou por uma repaginada radical e dividiu-se em cinco livrinhos reunidos num estojo.

Vale abrir um parênteses aqui para observar que a elaboração e edição de ótimos guias e agendas é um mal – melhor dizendo, um bem – de família: Katia Mindlin Leite Barbosa, mãe de Antonia, fez, junto com Dalal Achcar, um fascinante guia de viagens e de compras na Turquia. Graças a ele, as duas foram alçadas à categoria de consultoras de Glória Perez, cuja próxima novela, “Salve Jorge”, se passa lá.

A agenda da Antonia é tão deliciosamente pessoal que, através dela, é possível traçar a trajetória da autora. Quando se casou com o economista Joaquim Saboia, as dicas de decoração e de serviços de casa ganharam muitos acréscimos. Quando teve seu primeiro cachorro, os cães foram contemplados com destaque – e com uma reclamação minha, que queria isonomia para os gatos. Com o nascimento de Felipe, Antonia já tem tantas dicas para mães e bebês que vai lançar uma edição especial, a “Agendinha carioca”.

Como Antonia é realmente antenada, a “Agenda carioca” existe em formato digital há tempos – na verdade, desde a primeira edição. Naquela época, “formato digital” era sinônimo de Palm e, graças a Hands, muitos usuários puderam dispensar as edições em papel. Hoje ela é um app gratuito para iPad. A grande novidade é que há uma versão para inglês saindo do forno, e que estará prontinha para consumo na Rio +20.

A grande novidade na vida da Antonia e da sua agenda, porém, é a versão para Facebook. O grupo, que se chama “Agenda carioca”, está bombando. É ponto de convergência para quem precisa de dicas e para quem descobriu algo maravilhoso e quer compartilhar.

-- A agenda no Facebook nem depende mais de mim, -- observa Antonia. – Ela é autosustentável, já reúne mais de cinco mil pessoas e estou descobrindo um monte de coisas que eu mesma não conhecia. Isso está facilitando demais a pesquisa para a próxima edição. Mas o que mais me encanta é o espírito de solidariedade das pessoas, a generosidade que todos demonstram em compartilhar os seus endereços secretos.

Gerenciar um grupo tão grande tem seus percalços, que aos poucos ela começa a descobrir. É preciso cuidar muito bem da lista para que não vire uma agência de empregos, um varal de publicidade, uma lata de spam. O preço da qualidade é a eterna vigilância.
Outro projeto que empolga Antonia é a marca RJ, criada pelo governo do estado como uma espécie de “I love NY” carioca, para refletir o momento do Rio.

-- O Sérgio Cabral entendeu que precisava fazer uma campanha que fosse muito além de realizações e de obras, uma campanha que tocasse no orgulho e na auto-estima de quem vive aqui. Uma campanha de posse, de pertencimento: “Eu pertenço a esse lugar”. Essa campanha foi pensada em cima de sete pontos fundamentais: alegria, estilo, beleza, inovação, energia, paixão, paz. Há cinco anos, nós não poderíamos nem pensar em falar em paz; hoje isso começa a ser possível. O RJ vem como um selo do qual as pessoas podem se apropriar. Há alguns filmes muitos bonitos no site do projeto, em novoRJ.com.br. Existem movimentos parecidos no mundo, que começaram com um empurrãozinho do governo, mas que foram logo apropriados pela população. A idéia do RJ é essa, é ser a marca do Rio. Gostei tanto da idéia que topei participar quando meu filho estava só com três meses. Acho que, mais para a frente, quando eu olhar para trás, vou poder dizer “Caramba, eu ajudei a criar isso!”.


(O Globo, Rio, 8.4.2012)